domingo, 15 de junho de 2014

Deus não tem nome

Rubens Oficial

Há mais ou menos 40 anos que alguns me falam que é necessário pronunciar o nome de Deus para ser salvo. Mas Deus tem um nome? Olho para o céu e me pergunto, que céu é este, qual o seu nome? E concluo que céu é céu e não temos motivo para lhe dar um nome, porque é singular. Da mesma maneira penso de Deus.

Os textos sagrados relatam que Deus criou o homem e falava com ele no Eden. Deus chamava Adão pelo nome, mas este não teve necessidade de identificar o Criador por um nome. E assim sucedeu por longos tempos. Vieram Abraão, Isaque, Jacó, José... Ninguém precisou chamar Deus por um nome, assim como o céu.

Mas quando os hebreus foram escravizados e perseguidos no Egito, Deus encarregou Moisés de liderar o êxodo para a terra de Canaã. Foi aí que Moisés pensou, eles vão me perguntar, qual Deus mandou tirar a gente do Egito? Porque no Egito se falava de muitos deuses, falsos deuses na verdade. Que nome Moisés daria ao verdadeiro Deus?

Foi aí que Moisés lembrou que os falsos deuses tinham um nome, distinguindo uns dos outros, mas que verdadeiro, o Criador, não necessitava de uma distinção, porque era único, assim como o céu. Mas como responderia, se alguém perguntasse?

Deus respondeu a Moisés, Eu sou o que sou. Então entendemos que Deus é Deus, não há o que perguntar. Todavia, disse Deus, se perguntarem - vejam bem - se perguntarem, responda, Sou me enviou. No inglês e em outras línguas há a necessidade de pronunciar o pronome, I am, por exemplo. No português, o pronome fica oculto. No hebraico antigo ficou o tetragrama Jhwh, só consoantes.

Mas o povo hebreu nunca havia ouvido falar de Jhwh, seria um deus desconhecido? Pouco resolveu o nome, Moisés precisou relembrar, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó. Ah, agora sim sabemos que se trata do nosso Deus, o criador de todas as coisas.

E o povo hebreu se alegrou em saber que seu Deus também tinha um nome, quando o próprio Criador nunca se ateve a isso. Até que, ao descer do Monte Sinai, Moisés apresenta os mandamentos de Deus gravados em tábuas de pedra. Não tomarás o nome do Senhor seu Deus em vão. E todos passaram a evitar a pronúncia do santo nome.

Muito tempo se passou. A escrita hebraica evoluiu. E a pronúncia do tetragrama sagrado se perdeu... Ele estava lá na maioria dos livros sagrados dos judeus, mas... Melhor não pronunciar do que fazê-lo errado.

Até que alguém teve uma ideia, um tanto estranha, mas que acabou aceita. Vamos pegar as vogais das palavras Deus e Senhor, em hebraico Elohin e Adonai, e adicionar ao tetragrama e, assim, torná-lo pronunciável. E acabou, no português, ficando Jeová. Estudiosos dizem hoje que a pronúncia de Jhwh deveria ser Iavé ou Javé. Algumas traduções já trazem essas formas.

Mas para os cristãos isso não faz a menor diferença. Em todos os manuscritos antigos do Novo Testamento, o nome de Deus não aparece. O próprio filho de Deus ensinou seus discípulos a chamá-lo de Pai. Portanto, orareis assim, Pai nosso que estais no céu...

Mas os contradizentes não se conformam. Acrescentaram o nome Jeová na sua versão do Novo Testamento e, mesmo sabendo de como se formou assim, acreditam que se trata de um nome que precisa ser santificado e de uso obrigatório. Porém, nós cremos que o nome de Deus deve ser santificado em todas as suas formas, porque Santo é o Senhor, não uma palavra usada para distingui-lo. Deus é o que é. O Ser divino é que deve ser santificado.

Rubens Oficial é oficial de justiça e jornalista

terça-feira, 10 de junho de 2014

Novo CD completo na voz de Noêmia - vl.02 - Hinário 05


Revista Veja São Paulo de 05/02/2014 cita a Congregação

Moradores de ilhas do litoral paulista vivem no isolamento

Habitantes têm vantagens como acordar de frente para o mar e mergulhar no meio de golfinhos, mas sofrem com infraestrutura precária
 
Ilha Montão de Trigo: a vinte minutos de barco de Barra do Una (Foto: Anderson Chaurais)

(31.jan.2014 por Angela Pinho)

O pescador Rubens de Oliveira, de 49 anos, ganha cerca de 300 reais por mês, menos da metade de um salário mínimo. Apesar disso, não reclama da vida que leva num belíssimo pedaço de terra no meio do Oceano Atlântico. Às 3 horas da manhã, sai com seu barco e lança a rede. Muitas vezes, cardumes de golfinhos curiosos lhe fazem companhia. No período de folga da tarde, um de seus programas prediletos é contemplar a vista para as praias do continente. Quando bate a fome, estica a mão e pega uma fruta do quintal - ameixa, carambola e jabuticaba, entre outras. Gastou 10 000 reais para construir uma casa de madeira de três quartos de frente para o mar. Não precisa pagar IPTU, pois o lugar pertence ao governo federal, que cedeu a área em 2012 para o uso dos caiçaras. A água vem grátis por uma mangueira conectada à nascente de um rio. A rede elétrica ainda não chegou, mas uma bateria de carro garante televisão ligada. “Tenho acompanhado jornal e visto muita coisa ruim”, conta Oliveira, que raramente arreda pé do local onde nasceu. “A cidade grande é barulhenta e abafada”, diz ele, que veio pouquíssimas vezes a São Paulo, uma delas para assistir a um jogo do Corinthians no Pacaembu.

O pescador é um dos cinquenta moradores do Montão de Trigo, ilha a 10 quilômetros de São Sebastião, no Litoral Norte. De barco, a distância pode ser percorrida em vinte minutos a partir da praia de Barra do Una. De lá e de outros pontos da região é possível avistar o morro de 300 metros de altura que se destaca na paisagem da ínsula. Seu nome teria vindo daí, por lembrar de longe um amontoado de trigo. Ela faz parte do grupo de mais de 100 ilhas do litoral paulista. A maior, o Guarujá, com cerca de 290 000 pessoas, é quase uma metrópole quando comparada a esse e a outros refúgios semelhantes.

Para poder morar no Montão de Trigo é preciso ter nascido no lugar ou ser casado com algum nativo. O artesão Sérgio de Souza, de 32 anos, que era de São José dos Campos, trocou o interior pela ilha depois de conhecer numa viagem a São Sebastião a mulher, Ceumara Oliveira, 37. Ele estava vendendo bijuterias no centro quando puxou papo com ela, que estava passeando no pedaço. “Sou uma das únicas que não se casaram com primo”, conta Ceumara, sentada no sofá da sala de estar da residência do casal, que tem uma vista de dar inveja a muitos hotéis e mansões do litoral. “Por aqui, quase todos têm o sobrenome Oliveira”, completa. Outra “estrangeira” é Adriana Pessoa, 39, professora do colégio local. Nascida em Bebedouro, a 381 quilômetros da capital, formou-se em pedagogia e passou num concurso público em São Sebastião. Escolheu trabalhar na ilha. “No continente, a escola é uma instituição descolada da realidade dos estudantes, aqui isso não acontece”, compara. As primeiras aulas do calendário deste ano serão ministradas em uma piscina natural de água cristalina. As crianças aprenderão a mergulhar e farão um catálogo da fauna marinha.


Ceumara e Sérgio: casa de frente para o mar pode sair por só 10 000 reais (Foto: Lucas Lima)

Para ensinar história, o cenário ideal poderia ser Búzios ou Vitória, a 28 e 40 quilômetros de Ilhabela, respectivamente. Ao chegar, o visitante tem de chamar algum morador para buscá-lo em uma canoa a remo. É a única embarcação que consegue atracar no “porto”: uma fileira de tábuas de madeira em cima das pedras. Há nas duas ilhas resquícios de antigos cemitérios indígenas datados da pré-história. Os atuais moradores misturam traços desses primeiros habitantes com os de europeus, mas nunca se soube direito como os estrangeiros foram parar no local. Um trabalho da arqueóloga Cíntia Bendazzoli pode ajudar a esclarecer o mistério. No fim do ano passado, ela encontrou um documento que mostra a doação de Búzios, no século XIX, para um filho de portugueses. Nos próximos meses, a especialista fará expedições para se aprofundar na investigação. “Há relatos de caiçaras sobre a presença de grande volume de louça em meio a ruínas de pedra e cal”, afirma Cíntia.

Ali, os moradores plantam o que comem em roças e criam galinhas. Em Búzios, há dois mercadinhos onde se compra de macarrão a bebida. Uma garrafa de Velho Barreiro custa 11 reais, quase o dobro do que em Ilhabela. A inflação da cachaça não incomoda, pois o consumo caiu desde a chegada da igreja evangélica Congregação Cristã no Brasil, há mais de uma década. “Todo junho tinha festa com forró e quentão. Agora, a maioria é crente”, afirma o pescador Olegário Costa, um dos poucos que não se converteram.


Uma das casas de Vitória: com televisão e energia solar, mas sem água doce (Foto: Lucas Lima)

Como não há posto de saúde nesses lugares, a cada trinta ou quarenta dias, uma equipe da prefeitura de Ilhabela aparece por lá com médico, enfermeiros, dentista e psicólogo. As mulheres costumam ter os filhos no continente, principalmente desde que uma das moradoras de Búzios morreu no parto, em 1980. “Ela tentou ir para o hospital na última hora, mas o mar não deixou”, lembra Benedita Costa, de 51 anos. “A criança sobreviveu, ela não.” A mãe de Benedita também passou por um aperto há quinze anos, quando levou uma picada de cobra. Acabou salva com ajuda de um helicóptero da Marinha. Por causa do isolamento de Búzios e Vitória, no início do século XX o governo considerou enviar presos para alguma delas, projeto que não vingou. O encarregado de estudar o local, como engenheiro, foi o escritor Euclides da Cunha. Em seu relatório, ele registrou que Vitória tinha “capacidade para povoamento muitas vezes maior, explicando-se o seu abandono pela distância”.


Roberto Costa: quatro horas de barco só para comprar gelo (Foto: Lucas Lima)

Naquela época, os moradores só podiam chegar a Ilhabela remando. A travessia podia durar um dia inteiro. Por isso, o avanço tecnológico mais celebrado até hoje por lá não foi a chegada das televisões, nem da energia solar, há dois anos, nem dos primeiros e poucos telefones celulares, mas a vinda dos primeiros barcos a motor, nos anos 70. Com um deles, o pescador Roberto Costa consegue fazer em “apenas” quatro horas o trajeto até o centro de Ilhabela, aonde vai uma vez por semana comprar gelo para guardar os peixes - não há geladeiras em Vitória. A infraestrutura continua precária e as dificuldades aumentam. O banheiro é no mato. Falta água. Os peixes estão diminuindo. “Tenho muita dor nas costas e no peito, mas o médico só vem uma vez por mês”, reclama Benedita Costa, de 66 anos. Cinco dos oito netos desistiram de viver assim e foram embora.


Durval Ramos e o cão Mickey: a população local vem encolhendo nos últimos anos (Foto: Lucas Lima)

No Litoral Sul a população também vem encolhendo. Apenas uma família mora em Juruvaúva, único povoado de Ilha Comprida sem rede elétrica. Os Ramos cultivam ostras, pescam camarão e servem as iguarias a turistas em um pequeno bar. “Antes tinha jogo de futebol de solteiros contra casados. Hoje não dá mais para formar um time”, conta o pescador Durval Ramos, de 53 anos. No município de Cananeia, a Ilha do Cardoso vive situação parecida. Transformada em unidade de conservação em 1962, possui uma extensa área de Mata Atlântica com belas praias e rios. Embora benéfica para preservar a natureza, a mudança de status do local trouxe transtornos para quem morava lá. Não se pode construir uma casa, reformar ou fazer uma roça sem autorização do governo. Os pedidos costumam demorar meses para ser analisados. É proibido levar animais domésticos. Os que chegam driblando a fiscalização são castrados. O veto à pesca e à agricultura fez com que o número de habitantes caísse de 389 para 270 no período. O acentuado aumento do turismo nos últimos dez anos, no entanto, tem mantido a nova geração ali. Noeli Neves, de 32 anos, trabalha como guia ambiental e faz-tudo no bar da família. É o que permite que ela fique onde nasceu. “Gosto de ter silêncio à noite e quero que meus filhos cresçam brincando, sem televisão nem internet. Onde mais conseguiria?”


Noeli Neves: trabalho no restaurante e como guia ambiental (Foto: Lucas Lima)