quarta-feira, 7 de julho de 2010

Restrições e cantoria marcam culto na Congregação

21/06/2006
Do site www1.folha.com.uol.com.br
DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Manhã de domingo. Duas mulheres com o cabelo batendo na cintura e vestidas com saias abaixo do joelho caminham pelas ruas do Brás (centro de São Paulo). Sigo-as. Meu palpite é que se dirigem ao mesmo destino que eu, a sede da igreja pentecostal Congregação Cristã no Brasil.

De fato, a dupla chega ao prédio construído na década de 1930, com capacidade para 4.000 pessoas sentadas nos bancos e nas galerias laterais, no alto.

Antes de entrar no templo, as duas retiram das bolsas véus brancos e cobrem a cabeça. Eu hesito, mas um senhor de terno na porta me encoraja: "Pode entrar, irmã".

Sob o teto sagrado da Congregação, mulheres e homens sentam-se separados. Conversas entre "irmãos" e "irmãs" são permitidas apenas do lado de fora da igreja.

Acomodo-me na ala feminina e noto "irmãs" com cabeças descobertas e outras de cabelos curtos. Também vejo "irmãs" de trajando calça - sinais de que cabem concessões na rígida doutrina da Congregação, classificada de "sectarista" por um sociólogo que entrevistei.

Enquanto penso nisso, uma senhora no banco de trás me cutuca. "Quer um véu, irmã?". Aceito.

Mulher, não. Em um púlpito sobre o altar desprovido de qualquer decoração - a não ser um letreiro que diz "em nome do Senhor Jesus", um homem prega. É um ancião, cargo máximo na hierarquia da Congregação Cristã no Brasil.

Qualquer homem presente pode pregar. Mulher, não. Porque a fala feminina é interditada pelas cartas de Paulo (livros da Bíblia), explicam.

O discurso niilista do ancião fala da pequeneza do homem diante da vontade divina. "Você só está vivo hoje, irmão, porque é a vontade de Deus", grita.

Vozes femininas repetem: "Glória a Deus". Ou "Louvado seja o Senhor".

O burburinho é cortado por berros indecifráveis. Assusto-me antes de perceber que se trata de uma jovem "acometida por um espírito do cão".

Duas senhoras retiram-na da igreja, enquanto as demais mulheres permanecem imóveis, repetindo os louvores.

O ancião fala por quase uma hora. Ao final, revê os ensinamentos (doutrina) sobre o batismo, que acontece em seguida: menores de 12 anos, por exemplo, não podem ser batizados.

A congregação canta um hino. Da orquestra - com instrumentos de cordas e sopros, sem percussão -  participam apenas homens. Estão presentes cerca de 200 músicos da igreja.

As mulheres não participam da orquestra. O único instrumento reservado para elas é o órgão. E cantam.

A auxiliar de odontologia Kátia Holanda, 26, me oferece um livrinho: "Quer um hinário, irmã?". Canto a letra de um dos 450 hinos escritos com base em passagens bíblicas, especialmente salmos.

Batismo voluntário. Enquanto o hino é entoado, retiram o púlpito da frente do altar. Em seguida, o ancião ressurge. Trocou o terno por um traje cinza.

Ele entra no tanque de batismo, uma piscina que fica no fundo do altar. Mulheres descem pela esquerda, e homens, pela direita. Todos vestem o mesmo uniforme cinza.

"Irmão, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo", diz o ancião que, em seguida, mergulha a cabeça da pessoa. A assembléia repete: "Amém!".

Os batizados voluntariam-se para o rito quando se sentem "tocados", explica Kátia.

Ela foi batizada há cinco anos e diz para eu não me preocupar, "que a gente sabe exatamente quando é chamado".

Entre um batismo e outro, o ancião convoca a assembléia a entoar um hino.

O rito encerra-se às 13h - o culto começara às 9h30. O ancião anuncia o saldo de batizados: 187 pessoas, número celebrado com mais um hino. Culto encerrado, os fiéis despedem-se se com o ósculo (beijo) santo: homens com homens, mulheres com mulheres, beijam-se no rosto.

Compras. Depois do culto, os fiéis vão às compras. O comércio no entorno da igreja - nas ruas Visconde de Parnaíba e Almirante Brasil -  pertence a membros da congregação. A maioria, lojas de instrumentos, abertas depois do culto.

Nas barraquinhas armadas aos domingos, vendem-se CDs com a gravação dos hinos, procedimentos que contrariam os ensinamentos.

São quatro gravadoras, "todas pertencentes a seguidores da congregação", conta o vendedor Ednei de Oliveira, 22.

O encarregado da orquestra José, que não quis dizer o sobrenome, afirma que a gravação e a venda dos hinos são desobediências, mas "cada um acerta as contas pessoalmente com Deus".

Fiéis que são músicos profissionais não tocam na orquestra que rege, porque ficam com o "espírito transtornado", mas podem continuar participando dos cultos.

José diz que esses músicos profissionais expõem-se a espíritos malignos, executam músicas que "lá fora chamam de clássica, mas que, aqui dentro, não têm o menor valor". (DF)

Um comentário:

  1. A jornalista deve ter utilizado um termo que considerou equivalente ao que ouviu quando diz "um espírito do cão", expressão que não é utilizada pela Congregação.

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